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14 novembro, 2013

Episódios perdidos




Eu não quero estourar a bolha de ninguém aqui... Por isso, se você acredita naquelas lendas de “Episódios Perdidos" assombrados e gosta de viver nesse “mundo”, talvez esta história não seja para você.

Não me interpretem mal - eu odeio quando as pessoas queixam-se da "falta de realismo" no mundo do entretenimento, e eu acho que todas as crianças precisam acreditar em Papai Noel e da Fada do dente o máximo tempo quanto possível, mas ... isto é diferente.
Nos anos 80 eu conheci esse cara, Sid, que costumava cortar cenas de fitas VHS antigas. Era mais do que um hobby para ele - era praticamente toda a sua vida. Seus pais eram um pouco mais rico do que eu tinha sido abençoado com, por isso quando éramos adolescentes e eu trabalhava escravizado em  um restaurante fast food, ele só andava pela casa, cortando fitas. Todos os dias. A noite toda.
Claro que, quando ficamos mais velhos nosso passado fica um pouco mais claro, então acho que ele poderia ter tido um pouco de autismo... ou talvez ele fosse uma pessoa com hiperatividade... Mas é claro que eu não sou nenhum expert e eu não estou dizendo que esse tenha sido o caso. É apenas a melhor e mais rápida maneira que eu posso pensar para explicar sua personalidade e essa obsessão com o corte de fitas, só cortando e cortando fitas.
Tudo começou quando ele viu um filme chamado “Meu Melhor Companheiro" quando criança. Por alguma razão, seus pais o deixaram assistir aquela merda. Se você não estiver familiarizado com esse filme, é o conto de um menino e seu cão. Espero não ter que dar o spoiler de um filme tão velho, mas no final o menino tem para atirar no seu próprio cachorro, que ficou raivoso.
Sid não gostou disso. Seu pai fotografava e gravava casamentos, então ele mostrou a Sid como operar algumas das máquinas de filmagem... E Sid cortou o final, substituindo-o por uma cena anterior, mais feliz como se Meu Melhor Companheiro de repente tivesse "ficado melhor".
Ele assistia a fita obsessivamente depois disso, quando eu o conheci, em sua adolescência. Ele me fez assistir uma vez para mostrar como ele o "consertou" e eu pude realmente imaginá-lo como um menino quando ele começou aplaudir e torcer com seu próprio final.
Eu não quero dizer que eu era uma má influência, mas depois que eu assisti, perguntei se ele poderia fazer isso com outros filmes.
Meu maior interesse era talvez pegar um filme ou dois e colocar alguns quadros de nudez que as atrizes realmente não tinha feito... Mas não se preocupem. Eu nunca tive coragem de perguntar se ele realmente faria. Eu só imaginava o quão seria legal. Várias vezes.
Sid me disse que sim, ele poderia "consertar" qualquer filme que ele quisesse. Na verdade, ele tinha feito com alguns outros. Ele tinha uma cópia do desenho dos Caça- Fantasmas e - eu não estou zoando - cada fantasma tinha sido completamente removido. A história não fazia sentido, não havia continuidade, mas ele tinha feito isso e fiquei muito impressionado.
Eu acho que no tempo de VHS, essas coisas pareciam mais mágicas do que eles parecem hoje.

Conforme o tempo passou, eu fui encorajando Sid a editar mais filmes, mas com finalidades diferentes. Em vez de suavizar todo o material assustador como ele queria fazer, eu fiz ele "ver a luz" sobre as coisas incríveis que ele poderia fazer.
Em algum lugar lá fora, uns fãs gordinhos de Star Wars do nosso colégio tem todos os três filmes originais perfeitamente cortados e juntados, com edição de efeitos que teriam feito o próprio George Lucas gritar: "Não se intrometa!"
Nós cobramos vinte reais por uma única cópia, porque éramos idiotas.
Enfim, isso continuou por um tempo antes de eu perder meu interesse. Foi mais uma brincadeira para mim do que para ele. Este é o ponto onde eu comecei a trabalhar, comecei a dirigir, começou a tomar iniciativa com as garotas locais... Enquanto ele ficou cada vez mais envolvidos no corte das fitas.
Eu acho que seus favoritos eram desenhos. Quando Os Simpsons chegou, ele ficou louco com eles.

Agora suas edições não eram mais sobre consertar as coisas, e sim apenas quebrá-las de maneiras interessantes.
Outra coisa que ficou em minha mente foi quando ele gravou um episódio de M * A * S * H e cortou com um velho filme de guerra sangrenta. No meio da sua versão, o campo é bombardeado... Soldados invadem... Todo mundo morre. No final, ele trabalhou especificamente em congelar os rostos de cada membro do elenco. Olhos fechados.
Ele inverteu completamente os seus interesses e abraçou o que antes o assustava... finais assustadores. Ele parecia amar coisas como, sequencias longo de tirar o fôlego, com um silêncio aterrador. Ele me fazia ficar quieto enquanto eu os assistia também.
Você pode ter ouvido falar sobre este homem misterioso chamado Banksy, que vai criando grafites interessantes e outras coisas. Em um ponto, ele entrou em uma loja de música e substituiu alguns CDs de Paris Hilton com suas próprias falsificações.
Banksy não tinha nada a ver com o Sid. A cada duas semanas, ele me contava sobre algumas lojas ou locadoras de vídeo em que ele conseguiu colocar algumas de suas fitas. Ele trocava os reais pelas suas versões, e então ele começava tudo de novo, cortando as que ele havia roubado.
Uma vez, quando eu não tinha ouvido falar dele ha muito tempo, eu passe na casa de seus pais e o encontrei na garagem. Ele montou seu próprio estúdio de cinema lá, completo e com uma prancheta de desenho.
Ele estava, na verdade, animando um conteúdo inteiramente novo.
De uma vez só, eu estava tanto encantado com sua habilidade artística que eu nunca tinha visto antes... quanto muito preocupado com quando esse cara iria sair do escuro e começar a agir "normal", como eu.
Ele mal tirou os olhos de seus desenhos enquanto nos falamos. Lhe perguntei o que qualquer criança, agora no final da adolescência, iria perguntas...
- O que diabos está errado com você? 
-Hm?
- Sério, cara. Isso é loucura.
- É um trabalho. Estou trabalhando. Meu trabalho é tão importante quanto o de qualquer outra pessoa.
- Você está ao menos vendendo isso de novo, ou você está apenas os colocando em lugares? Quanto tudo isso está custando ao seu pai? "
- Eu não me importo com eles.
Olhei para o que ele estava com ilustrando com tanto fervor.
- Isso é um corpo sem cabeça? Dançando? "
- Ahan sim.
- Isso é muito obscuro, cara.
- Eu sei. Esse é o objetivo.
- Eu não entendo.
- Essas fitas. Pensei que elas estavam erradas, mas com o tempo eu descobri a verdade.
- Que é ...? 
- As coisas assustadoras são o certo. Os finais felizes que são mentira.
Ele só continuou desenhando enquanto eu estava lá. O silêncio era perturbador, e naquele momento eu podia sentir o cheiro que saia dele. Não era só suor. Era uma mistura de uma bunda suja e um pano encharcado de mijo.
Eu odeio dizer isso, mas eu desisti dele naquela hora. É aquele momento em que você olha para alguém ... Alguém que você achava que conhecia... e tudo o que você pode pensar é ... "Puta merda, eu nunca pensei que ele iria tão longe."
Não foi até que eu meus 30 anos que Sid passou pela minha cabeça novamente. Eu estava buscando na internet, apenas vagando sem rumo na web, quando me deparei com uma série de "lendas urbanas" sobre fitas VHS, filmes estranhos recortados, e os episódios perdidos.
Alguns deles eu reconheci. Eu os tinha assistido com Sid, ou já tinha o visto trabalhando com eles. Cada cena perturbadora, cada tirada inacreditável... Eu acreditava na lenda, porque eu tinha estado lá.
Tinha outros... desenhos do Bob Esponja, os episódios Coragem o cão covarde ou qualquer outra coisa, esses vieram muito tempo depois que eu tinha me afastado de Sid, mas o estilo era muito familiar. Mesmo os que pareciam se sua obra, pareciam ter sido cópias do seu jeito ou tentativas de imitar seu trabalho.
Ele ainda estava fazendo isso. Meu Deus, aquilo travou minha mente.
Liguei para o número antigo do Sid, não sabendo ao certo se eu ainda o encontraria lá. Ele tocou por alguns minutos, e eu sabia que a busca era impossível. Mesmo que ele ainda vivesse com seus pais, não era provável que eles ainda vivessem na mesma casa até agora.
Ainda assim ...
Decidi ir até sua antiga casa... para ver se ele ainda estava naquela garagem, cortando fitas, ou os manipulando através do computador, ou qualquer coisa que ele estivesse fazendo. Quando passei pela casa, vi que o gramado havia sido coberto por um grande e volumoso, mato alto. A fachada em ruínas da casa, com a sua pintura descascando ao redor das persianas, faltando telhas, e com as sarjetas cheias de lama me diziam que ninguém vivia ali há muito tempo.
Eu vi um bilhete na porta, mas não conseguia lê-lo da rua. Talvez fosse algo que eu pudesse usar para localizar Sid e ver se ele já tinha procurado a ajuda que agora percebi que eu deveria ter dado a ele.
Entrando no caminho, meus faróis iluminaram a porta da garagem. Estava sem janelas e tinha sido vandalizado com os símbolos gangues de alguma banda viajar de idiotas.
A nota na porta, como se poderia esperar, falava de um banco que agora era proprietário do imóvel. Observo que invasão foi fortemente desencorajada, e que em um determinado momento alguém viria para se certificar de que a casa foi "comprometida ". O que quer que isso seja.
Enquanto eu caminhava de volta para o carro, derrotado, algo estava me incomodando. Eu sabia que os pais de Sid deixavam uma chave reserva sob uma pedra falsa nas escadas dos fundos, basicamente devido a Sid ter nos trancado pra foda em diversas ocasiões.
Quando eu descobri que a chave, uma sensação de frio, aquele arrepio de medo, no meu estômago.
Quem iria se mudar e deixar tudo no lugar como este? A chave era a coisa mais óbvia, mas vasos de flores e decorações de jardim ainda estão lá. A velha bicicleta Huffy enferrujada de Sid estava encostada na casa, e tinha criado grossas listras enferrujados ao longo do revestimento de alumínio.
Eu não sei mesmo o que eu esperava encontrar, mas usando a chave, entrei na casa.
O cheiro era forte.
Não é um cheiro pútrido, nada podre ou em decomposição... Apenas o cheiro de ... Eu não sei se isso faz algum sentido para você, mas ... o cheiro de eletricidade. Como a poeira queimada em uma lâmpada ou um aquecedor exalando o cheiro peculiar de metal aquecido.
Essa era a menor das minhas preocupações, no entanto, quando vi tudo exatamente como eu havia deixado na visita anterior. Tudo que a família do Sid tinha, parecia congelada no tempo. A mesa da sala de jantar onde nós todos nos sentamos em muitas ocasiões, estava coberta de poeira e tinha um rato morto cima, que já tinha praticamente virado pó.
A televisão ... aquela volumosa televisão de grandes dimensões, a qual nós todos sentamos em volta para assistir as fitas de Sid e elogiamos a sua criatividade ... estava onde sempre esteve, exibindo silenciosamente um violento bombardeio de estática em preto e branco.

Enquanto fui andando pelos quartos, a sensação de pânico e desconforto dentro de mim só crescia. Cada fibra do meu ser gritava “CORRA... CORRA, seu idiota!”
Ainda assim, fui ai quarto de Sid. Ele agora estava vazio e em condições precárias. As suas figuras de ação premiada e fitas de vídeo em branco... centenas de fitas de vídeo ... obsoletas e danificadas pelas infiltrações.

Eu quase queria chamar...  Gritar "Sid!" e esperar ele aparecer como se nada estivesse fora do comum.
Eu fui para o quarto de seus pais.
Lá, deitados na cama, estavam dois corpos imóveis. Gaunt. Gray. Metade virou pó, assim como o rato na sala de jantar.
Eu mal podia acreditar no que eu estava vendo com meus próprios olhos. Não apenas os dois corpos estavam lentamente se dissipando dentre dessa área suburbana... como ninguém tinha dado falta deles? Ninguém descobriu isso até agora.
Minha mente surtou. Meu coração disparou. As únicas coisas que não se moviam eram os meus pés, que ficaram colados no local.
Sid, pensei, deve ter feito isso. Não havia maneira dos dois terem apenas se deitado uma noite e morrido de causas naturais, juntos! Sid tinha dito que não se importava com seus pais, e ...

Quando foi a última vez que eu tinha visto? Deus, eu não tinha visto por dia, talvez semanas ANTES da última vez que falei com Sid...
Quando finalmente sai do quarto, peguei meu celular e comecei a discar o 190. No entanto, assim que eu o coloquei no ouvido, um ruído ensurdecedor de interferência quase me fez arremessar o objeto pra sala.
Corri para o telefone da cozinha. Guinchando estática.
Tentei o telefone da sala só para ter certeza. Estática.
Não foi até que eu ponha o telefone na base, que eu ouvi. Musica. Baixa, quase inaudível que eu não tinha notado antes. Parecia ser alguma melodia repetitiva... feliz e leve ... algumas flautas, talvez trombetas.
Segui a melodia animada para a porta que vai para a garagem. Pressionando meu ouvido na a superfície suja da porta, eu vi que a música realmente vinha dali.
- Sid? - Eu chamei, mal conseguindo formar o nome com os lábios frios, dormentes - Sid, você está aí? Você está bem?
Eu tentei abrir a porta só para ver que estava de alguma forma bloqueada do outro lado. Estava, na verdade, já que um chute selvagem quase tirou a madeira apodrecida de suas dobradiças.
- SID? - Gritei quando a poeira baixou lentamente.
Através da neblina, eu só podia ver a luz de uma tela de televisão. As cores vibrantes. Azul, verde, amarelo ...
Logo, eu pude ver um desenho animado tocando na tela. Em seguida, os fios de prata que vinha do próprio equipamento, até alguma massa escura conjunto. Em seguida, a massa escura tomou forma quando os meus olhos se ajustaram à iluminação estranha.
Era Sid ... ou melhor, o seu corpo ... não estava morto há tanto tempo como seus pais, sentado em uma velha cadeira de escritório. Os fios do aparelho de televisão levavam diretamente para o seu corpo, acabando por desaparecer em várias crostas de buracos em sua carne. Através de uma pequena abertura carcomida em suas costelas, eu pensei ter visto mais metal dentro.
Eu andei para o lado de Sid, com a minha mão sobre a minha boca, com medo de vomitar. Seu rosto estava torcido em um hediondo, sorriso, largo... suas órbitas vazias quase parecia feliz, com uma cara de satisfeito.
- Olá! - Ouvi uma voz dissonante.
A voz era otimista. Estridente. Soou quase como Sid, mas ... diferente. Cartunesca, como de desenho animado.
Me virei para a tela. A grama verde, o céu azul, as flores amarelas ... e Sid. A perfeita caricatura dele. Ele caminhou ao longo do loop infinito no fundo utópico do desenho animado.
Ele acenou para mim.
- Sid ... Oh Deus Sid.
Ele... a versão cartunizada dele ... voltou sua atenção para longe de mim e continuou a passear alegremente através daquele ciclo interminável do mesmo plano de fundo. Ele passou por um arbusto ... depois passou de novo ... e mais uma vez ... O mesmo passarinho, cantando alegremente, voou através do céu em uma figura oito.
- Sid... - Eu balancei a cabeça, incapaz de compreender o cenário - Eu nunca deveria ter deixado você sair da realidade.
Eu pensei sobre o que Sid tinha feito com sua mãe e seu pai. Eu pensei sobre como o banco viria em breve e como tudo isso viria à luz. Eu assisti Sid caminhar por cerca de uma hora e meia. Depois eu desmaiei para nunca mais acordar, e as últimas palavras que eu ouvi  de Sid antes de me tornar um desenho animado também foi:
Finais felizes não existe pra ninguém, aqui dentro não existe um final.

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