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05 novembro, 2020

Nunca Jogue o Jogo das facas!

Ele sabe o que você odeia. E odeia o que você ama.


Eu originalmente ouvi sobre “Saco das facas” em um dos meus textos de literatura medieval. A aula parecia interessante dentro da lista de matérias opcionais daquele semestre, mas duas semanas depois eu já estava desejando ter feito outra rodada de poesia ou escrita criativa.


Parte do arrependimento era o professor, que estava cronicamente seco e enfadonho enquanto dava uma palestra decorada que obviamente regurgitava a mesma coisa nos últimos vinte anos. Mas a maior dificuldade era a própria linguagem. Era tão arcaico e difícil de ler, e eu já sabia que era péssimo em línguas estrangeiras. Alguns dos livros até foram “modernizados”, mas a maioria estava repleta de notas de rodapé em minúsculos parágrafos de blocos mais longos do que o texto que estavam explicando. E, claro, quando finalmente vi algo que parecia legal, não havia notas a serem encontradas.


Foi no meio de um fragmento de história sobre uma aldeia que caiu sob uma maldição de alguma forma. As pessoas estavam ficando loucas, ou suas vacas estavam morrendo, ou algo assim. A xilogravura que a acompanha fazia com que parecesse ruim. Ainda assim, era meio chato e idiota, e eu estava prestes a desistir da leitura quando uma frase chamou minha atenção. “Saco dos valentes”.


Como eu disse, não havia nota de rodapé e, quando fui para o índice, o termo não estava listado. Procurei na internet, mas também não havia nada sobre isso. Meu interesse já estava diminuindo, mas então uma ideia me ocorreu.


O professor da turma sempre dizia às pessoas para perguntarem se tínhamos alguma dúvida, seja depois da aula ou durante o horário de expediente. De jeito nenhum eu faria isso, mas talvez se eu enviasse um e-mail rápido perguntando sobre isso, ele pensaria que eu me importava com sua aula idiota. Eu não era um trapaceiro, mas não me importava nenhum pouco em parecer um fracasso na interpretação de uma redação. Então, olhei para o e-mail do corpo docente e perguntei o que o termo significava antes de guardar meus livros e ir para a festa de Jeff.


Eu literalmente não pensei sobre isso novamente naquela noite. A festa em si foi uma droga, era um daqueles negócios em que havia gente demais para ser divertido, então meu pequeno círculo social acabou saindo juntos, embora fosse para casa dos meus amigos Jeff e sua namorada Victoria. Os dois eram alunos de pós-graduação e Jeff estava de mau humor porque sua tese foi rejeitada. Isso fez com que eu e os outros de nosso grupo nos revezássemos reclamando de pessoas que estavam sendo idiotas. Chefes que eram injustos, namorados e namoradas que eram infiéis ou controladores, pais e irmãos que não entendiam nossas dificuldades individuais e coletivas. Estávamos todos bêbados e meio sérios enquanto nos revezávamos tentando melodramaticamente superar as desgraças um do outro e, no final da noite, estávamos todos tão exaustos de tanto rir que acabei caindo de sono no chão. Quando voltei para o meu dormitório na manhã seguinte, vi que tinha um e-mail.


Saudações, Sr. Holden!


Que bom ver você se interessando pelas peculiaridades de nossos amigos medievais de um passado distante! A frase que você referiu é bastante interessante! Refere-se a um obscuro costume de pregar peças que era comum em partes da Europa por um tempo. Foi assim:


Um grupo de amigos ou desocupados com ideias semelhantes se reunia e colocava nomes ou devido às taxas extremamente baixas de alfabetização, marcas ou objetos de identificação pessoal em um saco ou sacola. De qualquer forma, a ideia era que você estava identificando um alvo para a pegadinha - geralmente um inimigo. Depois que todos colocaram algo que representasse alguém dentro do saco, todos retiraram uma. Seus próprios excluídos. É claro.


Digo "é claro" porque o propósito do saco das facas, era assediar ou até mesmo machucar alguém que você odiava, sem que isso estivesse vinculado a você pessoalmente. Essas eram comunidades tipicamente pequenas onde quase todos se conheciam, e o risco de ser visto e reconhecido ou de quebrar a cerca de alguém ou envenenar sua alimentação era significativamente maior do que seria hoje. Se alguém visse um inimigo espreitando em torno de sua propriedade e de repente sua vaca fugisse ou suas galinhas morressem... Bem, seria imediatamente suspeito. O saco dos valentes fornecia uma medida de proteção contra tal escrutínio, e geralmente era limitado a pequenas pegadinhas que não levantariam muita ira, embora sempre houvesse exceções.


Depois que o brincalhão terminava algum ato contra o alvo, ele voltava para o saco (geralmente escondido em um lugar que todos no jogo conheciam) e colocava de volta amarrado em uma faca o item que retiraram no começo. Essa “faca” simbolizava que o “castigo” ao inimigo de seu amigo foi realizado. O jogo não acabava até que todos os gravetos e artefatos estivessem de volta no saco das facas. Acredito que houve variações nas regras ao longo dos anos, mas geralmente nenhum “vencedor” era especificado. Suponho que sua vingança indireta contra aqueles que odiavam era recompensa suficiente.


Pensei em responder, mas decidi não fazer isso. Foi legal da parte dele responder tão rápido, mas havia uma diferença entre ganhar alguns pontos e se tornar amigo de correspondência de um super nerd de literatura. Ri da ideia, fechei meu notebook e me preparei para trabalhar.


Uma semana depois, mencionei o Saco de Facas para Jeff e Victoria durante o jantar. Eu mencionei isso como uma história engraçada, mas quanto mais eu descrevia o e-mail, mais interessados ​​eles ficavam. Antes que eu percebesse, eles ligaram para Paul e Emily (outro casal de amigos que, com base na conversa anterior na festa, tinham objetivos claros para lidar com alguém). Eles trouxeram seu amigo Will, que acabara de ser despedido de um estágio por fumar maconha no estacionamento.


Tentei pisar no freio antes que as pessoas chegassem e entrássemos em algum jogo estranho, mas Victoria não estava ouvindo. Ela disse que foi a melhor ideia que ela ouviu em meses. Que parecia legal, divertido e muito satisfatório. Mas o ponto é quem sem mim não teria participantes o suficiente.


Piscando para mim, ela se virou e sorriu. “Vai ser como aquele filme de Hitchcock, O estranho no Trem, o que acha?"


Três dias depois, eu estava riscando as palavras “Vadia safada” no capô do carro de uma estranha.


Tínhamos usado uma mochila escolar e cartões de índice, mas acho que funcionou bem o suficiente. Eu tirei a ex-melhor amiga de Emily, que aparentemente dormiu com o namorado dela do colégio. Eu queria perguntar se Paul (o atual namorado de Emily) estava bem com ela ainda estando tão presa a um relacionamento passado, mas eu senti que não iria acabar bem, então deixei pra lá. Em vez disso, obedientemente dobrei meu bilhete e o enfiei no bolso, planejando esperar até mais tarde para me preocupar se continuaria com uma pegadinha ou não.


Esquecer o pensamento não foi tão fácil. Desde o momento em que consegui o nome e o endereço, fiquei preocupado em fazer algo com a mulher. Não é como se eu fosse um cara mesquinho ou algo assim, mas era apenas idiota como parece, parecia que eu tinha feito uma promessa que tinha que cumprir.


Voltei para a casa de Jeff depois que terminei e encontrei a mochila pendurada no galpão de ferramentas. Abaixo dele, havia três facas de manteiga com faixas de borracha ao redor delas. Fofa. Imaginei que os outros três já haviam enchido o saco e, quando coloquei o meu, vi que estava certo, já haviam facas na mochila. Eu me perguntei quem havia recebido meu pequeno pedido especial e o que eles fizeram.


Eu descobri logo.


- Jeff... J-Jeff está morto.


Eu apertei o telefone com mais força enquanto o chão parecia balançar sob mim.


- O que? O que você quer dizer?


A voz de Victoria estava alta e quebradiça quando ela falou novamente.


- Quero dizer que ele está morto, porra. Ele tirou seu cara no Jogo... Bryan Davis era o nome que você colocou no saco das facas, certo?


Eu caí no sofá, mal conseguindo respirar.


Bryan Davis era o nome que coloquei no jogo. Apenas um idiota viciado com quem eu morava quando era calouro. Ele fugiu no primeiro trimestre e roubou meu notebook. Eu nunca poderia provar isso, mas sabia que foi ele. E ele é um morador da cidade, então eu ainda via o filho da mãe por aí algumas vezes.

Eu pisquei, voltando para a conversa.


- Mas como... Como Jeff está morto?


- Ele aparentemente tentou tirar aquele cara da estrada. O Bryan realmente se ferrou... Eles disseram que está em estado grave. Mas Jeff também saiu da estrada. Ele bateu em uma árvore... E não sobreviveu.


A última palavra se transformou em um gemido baixo. Eu não sabia o que dizer. Jeff nunca iria tão longe assim. Não havia um resquício de maldade nele.


O telefone clicou e ficou mudo. Tentei ligar para ela, mas não houve resposta. Acontece que havia uma boa razão para ela não me atender.


Ela deu um tiro na própria cabeça.


Nos últimos cinco dias, duas das outras três pessoas do jogo, também apareceram mortas. Emily também cometeu suicídio e Will foi baleado enquanto tentava incendiar uma loja de ferragens. Quanto ao Paul? Ele está foragido depois de um ataque qualificado, onde ele supostamente quebrou as pernas de um velho com um taco de baseball.


Quanto mim? Atualmente sou uma “pessoa suspeita” em um caso de estupro. Não porque eu tenha qualquer ligação com a vítima ou porque a mulher tenha sido capaz de dar uma descrição clara de alguém, mas porque meu carro foi visto na vizinhança na noite em que aconteceu. Um homem igual à minha descrição foi avistado por um casal, e de acordo com suas denuncias. O homem estava aparentemente gravando as palavras “Vadia Safada” no carro da vítima. Não sou supersticioso, mas também não sou burro. Isso não era apenas coincidência, e a única coisa que conectava tudo isso era aquele jogo idiota.


Um jogo que aprendi com meu professor.


Mandei vários e-mails, mas não obtive resposta. Após dois dias de espera, liguei para seu escritório e deixei uma mensagem de voz. Para minha surpresa, recebi uma ligação de volta naquela tarde.


- Sr. Browning?


- Um sim. Professor Miller?


- Sim, sou eu. Acabei de ouvir seu recado de voz. Você parecia muito apreensivo, mas eu não consegui entender o que você estava falando. Você mencionou algo sobre a leitura?


Eu respirei fundo e tentei manter minha voz calma. - Sim, como eu disse antes. Estava em sua aula no mês passado. E li a história da vila amaldiçoada. Aquilo que você me explicou no e-mail sobre o “jogo das facas”.


Houve uma longa pausa e pude ouvir o passar das páginas enquanto ele falava novamente.


- Eu... eu não tenho certeza do que você está falando. Eu sei a história que você está se referindo, mas ... só um momento. Ah sim. Acho que encontrei a linha. Saxo dos valentes, certo? "


- Hum, se você diz. Você chamou de saco de facas no e-mail, assim como eu. Mas você tem que saber mais do que você... ”


- Espera? Que e-mail?


Eu fiz uma careta. Ele estava bêbado ou algo assim? Eu não tinha tempo para isso. Se ele não me desse respostas diretas, ele poderia falar com a porra da polícia sobre isso.


- Sim, o e-mail que você me respondeu quando perguntei sobre isso.


Outra pausa.


- Sr. Browning, não te enviei um e-mail. Eu não uso o e-mail escolar, para ser honesto. Os alunos ficavam enviando spans e pregando pegadinhas. A secretária do departamento imprimirá missivas críticas de minha conta, mas não li nada seu ou de qualquer outro aluno em... bem, provavelmente há mais de um ano. - O homem continuou hesitante. - Isso é parte do que eu queria abordar. Você parecia, tanto no correio de voz quanto nesta conversa, ter a impressão de que já conversamos antes, mas posso garantir que  não fora dos momentos em que poderia ter chamado você em sala de aula. Quanto a esta frase do livro... bem, é interessante, mas dada a sua aparente chateação, certamente não é um tópico em que você deva se concentrar no momento. Talvez você deva falar com alguém se estiver se sentindo muito ansioso ou confuso.


Eu me levantei e comecei a andar. - Isso é problema. Eu tenho o e-mail. Eu tenho provas.


- Filho, não duvido que tenha, mas posso dizer que não foi de mim. Talvez você tenha me confundido com outra pessoa ou talvez minha conta tenha sido... invadida? Hackeada? Eu não sei.


Eu queria gritar com ele, mas não tinha certeza se ele estava mentindo. Não era impossível que outra pessoa tivesse entrado em sua conta ou alterado seu endereço de alguma forma. Mas por que? E o que isso tinha a ver com o estúpido jogo do saco de facas?


- Olha... Eu realmente tenho que ir.


- Não! Por favor professor. Apenas... Ok, eu vou ficar calmo. apenas me diga o que você sabe sobre o jogo do saco de facas.


Eu podia ouvi-lo soltar um longo suspiro do outro lado da linha. - Muito bem, mas se você ficar chateado de novo, vou ter que sair.


- Okay, pode ser.


- OK. Como eu disse, não é “saco das facas”. E sim “Saxo dos patifes”. Você confundiu a tradução de “Seax of knaves” com “Sack of knifes”. Saxo era um nome em inglês antigo para um tipo de faca, o que torna seu erro um tanto engraçado, suponho. Saxo eram ferramentas de lâmina fixa de um gume que às vezes eram usadas como armas em caso de apuros, principalmente entre os saxões, cujo nome vem da mesma palavra. Quanto a 'patife', é uma palavra antiga para um trapaceiro ou um canalha. Às vezes, um ladrão ou  de acordo com as superstições, algo pior.


- Pior como o quê? O que isso significa no livro? Naquela aldeia?


-Eu... Eu não sei se me sinto confortável mergulhando em velhas superstições com um homem que está claramente angustiado.


- Por favor, senhor. Eu preciso saber disso. E então eu vou deixar você ir.


Ele começou novamente com a respiração instável.


- Primeiramente, O Saxo dos Patifes não era um jogo. E sim um ritual. Na região em que se originou, “o patife” era uma gíria para um espirito ou demônio. Um espírito maligno. No ritual, você se tornava a essência de “uma faca para os demônios”, você estava agiria maldosamente contra alguém que nunca o prejudicou. Espalhando discórdia e sofrimento. Parte do efeito prático é claro, era uma maneira ligeiramente inteligente de tentar se vingar dos outros indiretamente. Mas a consequência mais profunda era que supostamente que você estaria se ligando a esse Outro. E sabendo ou não, você era parte da oferta a ser feita. O homem pigarreou. Há histórias disso ao longo da história, é claro. Lugares onde as pessoas ficaram estranhas, ou loucas quando ligavam-se um ao outro. Aldeias e cidades inteiras foram perdidas para ele, mesmo nos tempos mais modernos. Hoje chamamos isso de doença mental. Histeria em massa. E... bem, tenho certeza de que está certo. - Ele riu desconfortavelmente. - Se posso perguntar, por que você está tão fascinado por isso? Você não experimentou invocar “o outro” sozinho, não é?


Minha visão começou a nadar quando acenei para uma sala vazia.


- Nós... nós fizemos. Nós pensamos que seria engraçado e agora meus amigos estão mortos e...


Ele murmurou algo e disse mais claramente:


- Não entre em contato comigo novamente.


Eu ouvi um bip quando ele desligou. Olhando para o meu telefone, eu repassei na minha cabeça o que ele murmurou antes de desligar, tentando dar sentido a isso.

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